segunda-feira, 25 de maio de 2009

E se eu dissesse que Deus existe...

Diria também que há tempos conheço um de Seus nomes mais arcaicos e onipresentes: Ironia, oculto e amenizado no dito popular que afirma Ele escrever certo por linhas tortas.

Pois que se fomos feitos à Sua imagem e semelhança e temos algo de divino, Ele há de ter algo de humano, e rir de nossas constantes trapalhadas cá em baixo - nada mais humano que o riso - ou ao menos chorar de nossos dramas e melodramas, como quem assiste novela ou lê um romance pra passar o tempo, como uma boa dona de casa em seu pouco tempo de ócio, coisa de que certamente dispõe abundante. E se assim não o é - se assiste com expressão impassiva sua fazenda de formigas, sem dó, piedade ou simpatia, então mentiu, num rompante de humanidade.

E na Sua infinita sabedoria, criou o Bem e o Mal, alguns adjuntos pra apimentar o Verbo, você sabe, afungentar a solidão. E tantas mais coisas criou que cansou, sentou num sofá nebuloso e o Senhor tirou um domingo pra si.

Nesse processo, cá estamos - inteligentes o suficiente pra duvidar do mundo, mas não a ponto de não acreditarmos em Ele (ou Eles, Tantos são...), com pleno livre arbítrio pra criarmos um mundo onde nossa vontade pouco importa - sem problemas, já que no além-vida teremos a oportunidade de participar de Seu clubinho celestial, contanto, claro, que tenhamos sido bons meninos durante nossa vida, onde tudo do bom e do melhor se funde numa frase: "o proibido é mais gostoso".

Solução? Quebrar as regras. Exigir sua parte da herança e sair mundo afora, bastando retornar arrependido e comparecer com um sorriso no rosto à festa de recepção que o Pai prepara. Ao outro fica a dádiva do trabalho.

Não que os velhos chavões como sobre a justiça divina no caso dum bebê que morre pouco depois do primeiro choro, sobre a Sua necessidade de ser adorado e rogado acima de todas as coisas ou sobre a obscura relação paternal do Onipotente com a Fonte de Todo o Mal sejam argumentos sérios pra esta minha afirmação. Falo de algo mais material, mais concreta, menos ideológica. Falo na maestria em criar um mundo no qual a figura o criador seja passível de descarte com prejuízos menores do que o sumiço dos orgãos que o representa - vale acrescentar, no fundo, nunca dependeram Dele pra existir.

Quem sabe haja uma outra Física pra este mundo, mais divina e, nesse caso, mais real, onde cada ação gere uma reação ácida, multiplicada e multifacetada, e na total ausência de forças atuando num corpo em movimento, ele desvie sutilmente - pois se há algo de fato divino é a sutileza - na direção de menor conveniência; uma também outra Matemática, onde nas divisões todo número é primo e em todo par sobra um. E por fim um outro Português, ou Francês, ou Mandarim, cuja única finalidade é nos lembrar de que a pior parte de nossos problemas insolúveis é não sermos capazes de expressá-los integralmente a ninguém?

Mas não se enganem, isso não é amargura, só Ironia...

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Meio-pária

Senta, cumprimenta e escuta um pouco a conversa. Vinte minutos depois, arranja uma desculpa vaga para se afastar e sai para andar um pouco. Até a próxima praça de conhecidos, onde fará o mesmo. E tem sido assim desde de quando se permite lembrar, de um lado a outro, aceito e distante de tudo que a vida lhe pôs pela frente.

É daqueles que sabem de tudo um pouco, dos nômades que não têm casa nem vida fixa - com a diferença de que sua andança se dá menos em espaço físico e mais no mental. Como que filho de duas nações rivais - possui as qualidades de ambas e a confiança de nenhuma.

Seus semelhantes assim o são por não serem semelhantes a alguém. Sua diferença não é por habitar o extremo, ou pelas qualidades incomuns, mas pela versatilidade, ao assentar-se bem em qualquer lugar, sente-se incomodado a todo instante.

Li em algum lugar sobre o problema da escolha entre os cem caminhos: se dentre cem caminhos, pode-se escolher apenas um para seguir a vida, surge a nostalgia dos outros noventa e nove. Há o centésimo primeiro, que passeia por todos os outros e não trilha nenhum. E se, para um caminho, não ter fim é uma vantagem, TALVEZ ele não seja de todo mal

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Amanhã

Qual deles?

Pois é, existem dois: um feto de hoje, ainda por nascer, florir, murchar e morrer; e um outro, intangível, portador das soluções, banhado em tempo disponível e boa vontade.

Uma pena que esse segundo nunca chegue - só existe no plano das idéias. É para tal amanhã que deixamos nossos projetos mais ousados, nossos problemas mais complexos. Acontece que, no dia seguinte, ele continua sendo amanhã.

Para o outro, fica a mesmice, a eterna função de substituir o hoje do modo mais fiel possível. Tempo depois não passa dum mero ontem superado, folha seca no chão.

O 'segundo amanhã' está pro futuro assim como o 'se' está pro passado. E aquele do qual fala Guilherme Arantes, fica só na clave de sol mesmo.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

No compasso

Acorda e liga e despe e lava e seca e veste e come e sai e anda e lembra e volta e pega e corre e chega e senta e faz.

Confere e erra e tenta e ajeita e perde e cansa e conta e torce e abre e manda e pega e fecha e joga e amansa e acena e vai.

Compra e avisa e cumpre e abraça e beija e agrada e dá e fala e ouve e janta e vê e bebe e escreve e tranca e rola e vela e pensa e...

A noite cai. Todos dormem, cada pensamento passa a ecoar preguiçosamente nas paredes vazias da casa. A opressão do tique-taquear, ofuscada pela imobilidade ilusória. O Verbo, longe de seus semelhantes, não está mais tão só, ainda que isso não seja uma solução. Até amanhã, quando talvez seja.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Tic tac

E no bar, nas cicatrizes da cadeira, na música rouca e acrônica, nas rugas de quem me serve a cerveja, no ruído empoeirado do ventilador... das palavras com significados mais densos e universais, uma se permite o posto de imperador: tempo.

Meia hora depois um dos homens cinzentos de Michael Ende, com maleta, cigarro e chapéu faz-me companhia e contas, oito horas de sono, uma e meia pra refeições, três horas naquele seu vagar irreal dentro dos ônibus, mais tanto fazendo isso e aquilo outro... indo direto ao ponto, tempo, muito tempo à toa, muito pouco tempo para ficar à toa.

E dessa vez não tenho resposta. Assim como em todas as outras.